quarta-feira, 14 de julho de 2010

Dente (in) de siso


Sim, o trocadilho foi péssimo.

Mas não me exime de falar deste assunto que nós - ou ao menos boa parte do contingente humano - conhecemos profundamente: a dor do siso. Antes de mais nada, breve explanação há de ser feita. Trata-se do terceiro molar, aquele cuja função é questionável, que nasce tão perto da parte interna da sua bochecha que por vezes se projeta perigosamente de modo a dilacerar parte dela. Sem falar no sofrimento que causa à gengiva. Tal protuberância óssea pode ter sua erupção bloqueada pela colisão com outros dentes - ou, como ocorreu duplamente em minha família, com o palato duro (céu da boca).

É interessante observarmos, contudo, que as novas gerações estão nascendo sem este nefasto agente da dor. As causas são puramente antropológicas: tudo o que uma espécie relega à inutilidade em termos evolutivos é descartado com o tempo. Seria o caso da cauda do ser humano, cuja possível existência é revelada pelo cóccix - aquele ossinho situado no término da coluna vertebral que não serve pra nada a não ser topar dolorosamente com superfícies rígidas, algo bastante semelhante ao dedo mínimo do pé.

Deve estar se perguntando, glorioso leitor, ao ter visto a imagem que abre estes escritos, o que diabos tem o cu a ver com as calças. Eu explico: tudo. Reconhecem, por certo, aquele olhar vidrado, típico da indecisão; do indivíduo aturdido, estupefato, cujo chão se dissipou abaixo de seus pés. É exatamente desta forma que se sente o dente de siso. Pense em sua situação: lá se encontra, escondido de maneira claustrofóbica dentro de um cubículo, aguardando o momento certo para - com sorte - perscrutar através de tão esquálida trincheira e receber os louros da vitória ao contemplar a caverna de bafo quente que se prostra diante dele. São tantos os obstáculos, tantas as adversidades, que o simples fato de continuar existindo já lhe é um ato de bravura per se. E por fim, quando pensa ter saído vitorioso de sanguinolenta batalha, o temerário dente de siso é extraído bruscamente de sua boca por forças esotéricas e desconhecidas: as mãos do dentista.

O mesmo se aplica, de maneira mais direcionada, ao parto. O ato de dar à luz uma criança é tão contrário a si mesmo que a simples reflexão já o torna inconcebível. E, contudo, ainda assim persiste ao longo da existência humana, sendo retratado das mais variadas maneiras - e nos mais variados lugares, diga-se de passagem - pela mídia e pelos ramos da arte. Parto, digo eu, mas não se limite a vislumbrar o primeiro choro do recém-nascido. Pense na maiêutica socrática - o parto das ideias -, em que estruturar um pensamento, criar uma teoria, é uma verdadeira gênese física, fisiológica e espiritual.

Conhece-te a ti mesmo, era o que dizia o filósofo. Portanto e assim sendo, relega-te, leitor, à condição de eterno aprendiz da vida; respire fundo, feche os olhos e diga para si próprio: eu sou um dente do siso. Nasço, cresço, evoluo e regresso às mãos de uma força maior. Se é Deus ou não, pouco me compete dizê-lo. Eu acredito em energias - as mesmas que uso para dar à luz estas palavras.

Parabéns, dissera o médico com o rebento nos braços. Ele é a cara do pai.

3 comentários:

  1. heuheiue, delicioso o seu texto. você usa as palavras muito bem. :]
    meu siso ainda nao me deu problemas. Ainda. Tenho medo desse dia chegar. Do jeito que todo mundo fala, parece assustador.

    beeeijao

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  2. Com 15 anos de idade eu já tinha os 4 sisos na boca. Tive sorte, tem sobra de espaço em minha arcada dentária. Imagino ser um siso... Se fosse o meu estaria feliz, se fosse como os 6 sisos de meu cunhado eu estaria encrencado. Sim, ele teve de extrair 6 sisos ao longo de sua vida.

    Grande abraço Rá!!!

    David Iizuka

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  3. Estou comentando esse Post com 2 dos meus sisos machucando a boca, e incomodando bastante.
    Como é ruim quando nos arrancam sonhos ou expectativas que nutríamos...
    Abraço.

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