quinta-feira, 24 de junho de 2010

Da hipocrisia humana

África.

É impressionante observar, caro leitor do Criogenia Cerebral, o rebuliço que se formou em torno do continente supracitado após o início da Copa do Mundo 2010. Eis que as nações do globo resolvem momentâneamente curar o glaucoma que se abateu sobre elas e expandir seus horizontes para além e aquém de suas fronteiras. Muito se fala da África: o continente-mãe, o coração do mundo. Será mesmo?

Pergunto-me onde estavam estes supostos aliados - tais nações que se rotulam entusiastas do povo africano - durante o Apartheid. Onde estavam quando Nelson Mandela dedicou-se euforicamente à causa negra? E os massacres? As memórias do que ocorreu em Rwanda ainda assombram os descendentes daqueles que lá perderam suas vidas. Acho engraçado músicos e grandes multinacionais compondo canções cujo propósito é enaltecer a África. O pior de tudo é que funciona: o negrinho não sabe ler ou escrever, é subnutrido e moribundo, mas conhece e adora a maldita Coca-Cola. Futuramente, veremos a flâmula alvirrubra de tal marca de refrigerantes substituindo as imagens e símbolos nas mecas e igrejas. Os iconoclastas, ao invés de entoarem cânticos e louvores, estarão cantarolando os jingles das propagandas televisivas.

Tais reflexões sucitam outra observação: a febre ocasionada pelo futebol. É inebriante. As criaturas humanas se reúnem, abraçam e festejam diante da televisão, unindo-se sob o mesmo prisma verde-e-amarelo. O mundo cessa seus movimentos de rotação e translação. Empresas fecham suas portas; estabelecimentos comerciais liberam seus funcionários. Há uma aura de letargia que se abate contra os homens e mulheres e os transforma em zumbis acéfalos e vidrados nos vinte e dois homens correndo atrás da famigerada jabulani em campo. Observemos, contudo, que quando a febre se esvai e a Copa se encerra, voltamos à velha falsa ausência de alteridade, o enaltecer do individualismo, a incapacidade de olhar para o lado e indagar plácidamente ao companheiro se ele necessita de cuidados.

Eis o retrato da hipocrisia humana.

Encerro com as palavras de Mia Couto, escritor africano, que engendram uma síntese do que se disse até então:

Salvar é uma grande palavra. E amor é uma palavra ainda maior. Grandes palavras escondem grandes enganos.


E aí? Alguém ainda quer "salvar" a África?

Um comentário:

  1. Muito profunda essa frase que você citou, ótima pra se refletir. Grandes palavras escondem grandes omissões.

    Louvar com os jingles das propagandas televisivas foi ótimo..kkkkk

    Abraço.

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