
Há muito tempo foi inaugurada uma nova fruteira na cidade, e as frutas - alvoroçadas e cheias de esperança - inscreveram-se para o concurso anual que elegeria o Rei das Frutas daquele novo estabelecimento. A fruta que, através de um discurso inflamado e muito persuasivo, conseguisse convencer os jurados de sua superioridade, seria eleita e coroada naquele mesmo instante.
O primeiro a subir ao palanque foi o abacaxi. Bastante pomposo e cheio de si, falou em alto e bom tom:
- Eu devo ser coroado porque desde o meu nascimento sou agraciado com a ostentação de uma coroa em minha cabeça. Sou um rei nato, nada se coloca acima de mim.
Em seguida, veio a maçã. Sua face rosada e reluzente espelhava sua personalidade sedutora e cativante.
- Portar uma coroa não quer dizer nada, meu amigo - dizia ela. Não passa de um artefato barato e sem valor. São os fatos - aqueles incontestáveis - que afirmam a superioridade de alguém. Eu, a maçã, fui a razão de todos vocês estarem aqui. Não fosse Eva e o Pecado Original, ainda viveríamos no Paraíso. Fui capaz de condenar toda a humanidade à uma vida mundana sem sequer descer de meu galho, portanto julgo-me perfeitamente apta a receber o título de rainha.
Houve grande comoção e aplausos por parte da plateia. Ainda assim, o júri permaneceu impassível. Havia de haver razão mais grandiosa que merecesse aquele prêmio, pois uma coroa é, de fato, objeto frívolo e nem todos creem no Criacionismo. Foi então que, no auge de sua sensualidade - dotada de um lancinante olhar voluptuoso que fez todos os convidados estremecerem em suas cadeiras -, a cereja subiu ao palco e prostrou-se diante do púlpito com o microfone nas mãos, bastante próximo aos seus lábios veludosos.
- A rainha das frutas serei eu - ela dissera em cadência bastante pausada, quase solene. - Os homens buscam riqueza e poder, como bem argumentou o senhor abacaxi; buscam a absolvição de seus pecados, como salientou a dona maçã, mas há algo muitíssimo mais emergente que faz com que homens de todas as idades, raças e credos percam noites em claro pela simples mênção de seu nome. Trata-se de algo que, assim como eu, é avermelhado, carnudo, e bastante suculento. Sou colocada em taças de bebidas, adicionada a coberturas de bolos, disposta nas mesas de Natal, utilizada como recheio de bombons e outras guloseimas igualmente saborosas, tudo isso para lembrar ao homem que me devora a quem ele deve real obediência.
Os jurados entreolharam-se, como se através de um simples olhar já houvessem compreendido quem seria premiado. A cereja empertigou-se, deu um passo a frente e ensaiou uma breve comemoração de vitória. Entretanto, quando o jurado-mestre anunciou o vencedor, o sorriso brevemente desfez-se em sua face delicada.
- A Rainha das Frutas deste ano é a banana - eles disseram. Uma tempestade torrencial de aplausos e ovações tomou conta do recinto, enquanto a cereja punha-se a berrar e a espernear buscando uma oportunidade de ser ouvida. Quando o silêncio finalmente reinou no grande salão, a pequena e ousada frutinha rasgou o verbo:
- Isso é um absurdo! Sob que alegação esta fruta sem graça venceu o concurso? O que poderia ser mais atraente e poderoso do que eu? Não compreenderam bem a explicação que dei? Talvez devessem lavar os ouvidos!
E a banana, com muita classe e elegância, pediu com gentileza o microfone para o contra-regra e disse em alto e bom tom:
- Minha filha, você tá muito retrô. Não são mais as cerejas que controlam o universo. Nós bananas alimentamos, previnimos cãibra, servimos como matéria-prima para uma série de pratos da culinária brasileira e, na falta de coisa melhor, ainda prestamos consolo às suas patroas em momentos de necessidade. Pra que haja fruta mais multi-uso, só se você me enrolar numa embalagem de Bombril.