sábado, 31 de julho de 2010

Paixão


"São vagalumes. Vagalumes grudados naquela coisa grande azul-escura."
- Timão sobre as estrelas

Sou romântico. Inegável. Houve momentos em que sê-lo me trouxe certos problemas, uma vez que - infelizmente - o mundo moderno é agitado e superficial demais para que as pessoas se atenham a banalidades como flores, poemas e declarações de amor. Não coloco chocolates na listagem porque, francamente, no dia em que alguém disser que não gosta de ganhar chocolates, eu volto a frequentar a igreja.

Ou não.

Costumo metaforizar a paixão como vagalumes. É algo que irrompe do breu, totalmente vindo do nada, e passa a brilhar em intensidade progressiva e irremediável. Você não sabe por que diabos eles brilham, nem tampouco de onde eles vêm ou pra onde eles vão. Só o que você sabe - ou melhor, sente é uma comichão interna, um entroncamento na garganta, que faz com que se abra aquele sorriso enorme apenas ao vê-los agitarem suas pequenas asas na moldura aconchegante da noite.

Quem nunca se sentiu assim ao ver a pessoa de quem se gosta?

O mundo anda em velocidade impossível de acompanhar. E o que realmente importa escapa bem diante dos nossos olhos. Faço um convite a todos: observem os vagalumes. Sua vida poderá se tornar muito mais simples em seguida.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Torpor funesto


O que é a morte, pergunto eu,
Senão um estado de espírito latente?
Reincidente, como Prometeu,
Sufoco-me nesta existência penitente.

Membros apartados, álcool e cigarros;
A úlcera se torna leve comichão.
As chagas já espalham sangue pelo chão;
O câncer não é mais que náuseas e pigarros.

E a indagação permeia o que restou do cérebro:
O que tem a morte de tão extravagante?
Seriam maquinações infindáveis de Érebo
Ou um passeio de barco eterno e relaxante?

Membros destroçados, cocaína e absinto;
As batidas de um coração eu já não sinto.
Decapitado, sofro apenas um leve beliscão -
A cabeça sorridente rolando no saguão.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Dente (in) de siso


Sim, o trocadilho foi péssimo.

Mas não me exime de falar deste assunto que nós - ou ao menos boa parte do contingente humano - conhecemos profundamente: a dor do siso. Antes de mais nada, breve explanação há de ser feita. Trata-se do terceiro molar, aquele cuja função é questionável, que nasce tão perto da parte interna da sua bochecha que por vezes se projeta perigosamente de modo a dilacerar parte dela. Sem falar no sofrimento que causa à gengiva. Tal protuberância óssea pode ter sua erupção bloqueada pela colisão com outros dentes - ou, como ocorreu duplamente em minha família, com o palato duro (céu da boca).

É interessante observarmos, contudo, que as novas gerações estão nascendo sem este nefasto agente da dor. As causas são puramente antropológicas: tudo o que uma espécie relega à inutilidade em termos evolutivos é descartado com o tempo. Seria o caso da cauda do ser humano, cuja possível existência é revelada pelo cóccix - aquele ossinho situado no término da coluna vertebral que não serve pra nada a não ser topar dolorosamente com superfícies rígidas, algo bastante semelhante ao dedo mínimo do pé.

Deve estar se perguntando, glorioso leitor, ao ter visto a imagem que abre estes escritos, o que diabos tem o cu a ver com as calças. Eu explico: tudo. Reconhecem, por certo, aquele olhar vidrado, típico da indecisão; do indivíduo aturdido, estupefato, cujo chão se dissipou abaixo de seus pés. É exatamente desta forma que se sente o dente de siso. Pense em sua situação: lá se encontra, escondido de maneira claustrofóbica dentro de um cubículo, aguardando o momento certo para - com sorte - perscrutar através de tão esquálida trincheira e receber os louros da vitória ao contemplar a caverna de bafo quente que se prostra diante dele. São tantos os obstáculos, tantas as adversidades, que o simples fato de continuar existindo já lhe é um ato de bravura per se. E por fim, quando pensa ter saído vitorioso de sanguinolenta batalha, o temerário dente de siso é extraído bruscamente de sua boca por forças esotéricas e desconhecidas: as mãos do dentista.

O mesmo se aplica, de maneira mais direcionada, ao parto. O ato de dar à luz uma criança é tão contrário a si mesmo que a simples reflexão já o torna inconcebível. E, contudo, ainda assim persiste ao longo da existência humana, sendo retratado das mais variadas maneiras - e nos mais variados lugares, diga-se de passagem - pela mídia e pelos ramos da arte. Parto, digo eu, mas não se limite a vislumbrar o primeiro choro do recém-nascido. Pense na maiêutica socrática - o parto das ideias -, em que estruturar um pensamento, criar uma teoria, é uma verdadeira gênese física, fisiológica e espiritual.

Conhece-te a ti mesmo, era o que dizia o filósofo. Portanto e assim sendo, relega-te, leitor, à condição de eterno aprendiz da vida; respire fundo, feche os olhos e diga para si próprio: eu sou um dente do siso. Nasço, cresço, evoluo e regresso às mãos de uma força maior. Se é Deus ou não, pouco me compete dizê-lo. Eu acredito em energias - as mesmas que uso para dar à luz estas palavras.

Parabéns, dissera o médico com o rebento nos braços. Ele é a cara do pai.